Passaram dois anos. Um dia, quando Skvortsov comprava um lugar na bilheteria de um teatro, viu junto de si um homem pequeno, com uma gola de astracã no seu sobretudo e um gorro de lontra usado. O homem pediu um bilhete para as galerias e pagou em moedas de cobre.
- É você, Luchkov? Perguntou Skvortsov reconhecendo o seu antigo rachador de lenha. – Então? O que tem feito? Corre tudo bem?
- Menos mal. Trabalho agora no escritório de um notário; ganho trinta e cinco rublos, senhor.
- Deus seja louvado, ainda bem. Estou muito, muito contente, Luchkov. Você é para mim como um afilhado. Fui eu quem o empurrei para o bom caminho. Lembra-se como o repreendi, hein? Você quase se meteu pelo chão abaixo! Bom, meu caro, obrigado por não ter esquecido as minhas palavras.
- Obrigado igualmente – disse Luchkov. – Se não tivesse ido a tua casa, ainda me intitularia professor ou estudante... Sim, foi em tua casa que me salvei, que fui tirado para fora do precipício...
Estou muito, muito contente.
- Obrigado pelas boas palavras e pelas decisões. Deu-me bons conselhos. Estou-lhe muito reconhecido, assim como à sua cozinheira. Que Deus proteja essa boa e nobre mulher. O senhor disse-me, na altura, exatamente o que era preciso. Ficar-lhe-ei decerto agradecido até ao fim dos meus dias; mas para dizer a verdade foi a tua cozinheira quem me salvou.
- Como assim?
- Eis o que se passou. Quando vinha a tua casa partir lenha, Olga começava: “Ah! Maldito borracho, a morte não quer nada contigo”. E “Desgraçado de ti. Não conheces a felicidade neste mundo nem no outro, pobre bêbado, serás pasto das chamas do Inferno. Infeliz de ti”, e assim por diante. Quanto se preocupou comigo, quantas lágrimas chorou por mim, não sabarei dizer. Maso principal é que partia a lenha em meu lugar. Não parti uma única acha em sua casa; era Olga quem o fazia. Por que razão me salvou, por que motivo me modifiquei, enquanto a contemplava, e deixei de beber? Não sei explicar-te... Sei apenas que, graças às suas palavras e aos seus nobres atos se operou no meu íntimo uma transformação. Corrigiu-me e nunca o esquecerei. Mas é altura de entrarmos, ouço a campainha.
Luchkov cumprimentou e dirigiu-se para as galeria.
Anton Tchekhov, excerto de O Mendigo.